No texto a seguir, o leitor conhecerá o cenário político, e a luta eleitoral e de massas na Europa. O artigo é de autoria de Erman Dovis, membro da direção do Partido dos Comunistas Italianos. O original foi publicado no site da Associação Marx 21 (http://www.marx21.it/) . A tradução para o português é do titular deste Blog.
Eleições e frente democrática, um olhar europeu
A cada um de nós
já ocorreu deparar-se diante de uma questão que ciclicamente se repete na vida,
que soa mais ou menos assim: “e agora, o que vou fazer?”. Sem dúvidas, todos,
ao menos uma vez, temos respondido desta maneira: “sei muito bem o que não
quero, mas ainda não sei o que quero.”
Por Erman Dovis
(*), em Marx 21
Esta reflexão é
talvez um pouco existencial, mas é muito útil para dar uma pequena contribuição
à análise sobre as recentes eleições realizadas na Europa, que não deve dar
lugar a simplificações de qualquer tipo. As presidenciais francesas viram o
candidato da social-democracia Hollande, em aliança com o Partito Comunista e as
forças progressistas, derrotarem o
presidente conservador, Nicolás Sarkozy. Na Grécia devastada pela crise
econômica e pelo massacre social, as eleições de maio assistiram à irremediável
decomposição do eixo histórico da bipolarização Pasok-Nova Democracia, enquanto
se fortaleceram as forças comunistas do Partido Comunista Grego (PCG) e a
aliança progressista Syriza aumentou sua aceitação eleitoral.
A
impossibilidade de dar vida a um governo de coalizão tornou inútil a resposta
das urnas, sendo necessária uma segunda jornada eleitoral, realizada um mês
depois, com os seguintes resultados: O PCG, de 8,5% um mês antes, passou a 4,5%
do eleitorado. A coalizão Siryza subiu de 16% a 27%, enquanto a Nova Democracia , passando
de 19,8% a 29%, conseguiu desta feita,
em aliança com o Pasok (que caiu de 13,2 um mês antes a 12,2%) e a coalizão Dimar,
formar um governo de coalizão.
Sem cair em um
sumário juízo superficial, é possível detectar como uma certa incomunicabilidade à esquerda, unida a fortes pressões internas
e externas contra os comunistas, gera desilusões e favorece tendências
políticas plebiscitárias e autoritárias, como demonstra o fortalecimento
consistente dos fascistas do Amanhecer Dourado, eficientes cães de guarda do
Banco Central Europeu (BCE).
Na Itália, teve
lugar a renovação de muitas câmaras municipais, algumas de certa relevância: o
dado geral é a devastadora derrota da força que até agora era identificada como
centro-direita, em particular o PDL (Polo da Liberdade) de Berlusconi e a Liga
(Liga do Norte), de Bossi, implicados em vários escândalos. Os comunistas, quase
todos unidos politicamente na Federação da Esquerda, apresentaram-se na maior
parte em aliança com a centro-esquerda, confirmando em conjunto os bons resultados
das últimas eleições administrativas provinciais.
Na Grã Bretanha,
as eleições administrativas do meio do ano sentenciaram a claríssima vitória dos
socialistas do Partido Trabalhista, a forte queda dos conservadores e liberal-democratas,
e algo que não é pouco importante, a amarga rejeição à causa “um Boris em cada
cidade”: a proposta, lançada pelos Tories (conservadores), e submetida a referendo,
previa a eleição direta do prefeito em todas as grandes cidades. Uma tentativa
politica para sondar uma virada em sentido plebiscitário que foi prontamente
bloqueada.
A nossa rápida
resenha europeia não pode deixar de evidenciar, por fim, a queda da CDU (União
Democrata Cristã), de Angela Merkel nas recentes eleições regionais alemãs,
assim como faliu na Espanha o assalto dos Populares (Partido Popular) da Andaluzia,
que se manteve nas mãos da coalizão progressista formada pelo PSOE (Partido
Socialista Obrero Espanhol) e pela Esquerda Unida (integrada pelo Partido
Comunista). Devemos assinalar, para completar a informação que o acordo entre a Esquerda Unida
e os socialistas na Andaluzia foi contrastado
por um referendo interno no Partido
Comunista Espanhol, no qual venceu (por uma pequena diferença) a corrente
contrária à aliança.
À luz destes fatos, vemos, portanto, como o povo europeu rechaça decididamente
as políticas do FMI e dos poderosos cartéis econômicos que o dirigem.
Substancialmente, são abatidos os governos vigentes e os que foram responsáveis,
mais ou menos diretamente, de executar as diretrizes do BCE que, recordamos
sempre, é um organismo privado em mãos de um punhado de oligarcas.
Esta rejeição
categórica apresenta, porém, um lado muito obscuro: o dramático avanço continental
do fascismo que direciona o mal estar
para uma perversa ótica protecionista,
nacionalista, racista. É o caso, por
exemplo, da Frente Nacional na França, do
Amanhecer Dourado na Grécia e do avanço da extrema-direita na Holanda. Ao lado
desses fenômenos, surgem movimentos apartidários aparentemente novos que, de uma rebeldia
espontaneísta inicial, passam a estimular uma indiferença generalizada: bate-se
na tecla da desconfiança nos partidos e na sua inutilidade, fala-se de uma não
especificada “casta” capaz apenas de sugar salários com o dinheirto público,
demonizam os sindicatos, jogando-os no caldeirão dos privilegiados a abater, procede-se
em suma a uma crítica muito demagógica e superficial que inevitavelmente desemboca
no plebiscitarismo e, portanto, na busca do homem forte, que rejeita o confronto
democrático. As instituições por ora são consideradas inúteis. Típicos deste fenômeno que vira à direita, são os representantes
do Movimento Cinco Estrelas na Itália e dos Piratas na Alemanha (1)
Para completar o
quadro geral, falta ainda um elemento que não pode ser separado da análise
eleitoral: a resposta de classe à ofensiva do grande capital financeiro, à imoral
e colossal acumulação de dinheiro da gravíssima crise econômica. Assistimos
assim, de maneira inorgânica, a um choque frontal entre as grandes famílias dos
monopólios e a classe operária. De uma parte, os cartéis, em extrema concorrência
entre si, prosseguem no caminho de feroz saque e destruição de forças produtivas
e humanas. De outra, a firme resposta dos trabalhadores que se opõem a estre
criminoso cenário com extraordinária luta de resistência. É o caso, por
exemplo, dos operários gregos da Siderúrgica Helênica, em greve desde novembro
passado contra o plano de reestruturação empresarial que prevê reduções
salariais e demissões. É o caso dos operários da Magneti Marelli de Crevalcore
e da Curved Plywoods, pequena empresa de San Matteo della Decima: nessas duas
fábricas, pretendia-se transferir a produção para o exterior. A imediata denúncia
operária e a pronta intervenção dos trabalhadores impediram que o projeto
empresarial se realizasse. Na Espanha, em face da infame reforma do mercado de
trabalho, houve uma extraordinária resposta da classe operária: o sindicato
organizou uma greve geral que levou ao bloqueio quase total de toda atividade
nacional. Na Galícia não ocorreram atividades produtivas em nenhuma zona
industrial, piquetes itinerantes impediam qualquer tipo de atividade em cidades
como Madri, Bilbao, Barcelona. A General
Motors de Aragon foi totalmente fechada, e até mesmo os setores de saúde e
educação nacionais foram paralisados. A recente duríssima luta dos mineiros das
Astúrias é uma confirmação ulterior do que foi dito: um conflito de classe iniciado
a partir de uma vanguarda consciente dos trabalhadores das minas foi estendida
com uma amplitude de massas, obtendo a solidariedade e o apoio da totalidade das
massas populares.
Em definitivo, estes
exemplos demonstram como se verifica concretamente um tipo de dualismo de poderes, que é manifesto e já não
pode mais ser escondido. Trata-se de uma rejeição eleitoral clara em resposta
às políticas de fome e de uma vanguarda da classe operária que, embora sem
organicidade, responde golpe a golpe as estratégias das multinacionais. No
meio, presas nas garras do conflito de classes, as grandes massas populares e
da pequena e média burguesia refletem grande incerteza, confusão, desorientação,
condições que podem ser instrumentalizadas em função de reviravoltas políticas sempre mais marcadamente autoritárias.
Mesmo as
instituições, vergadas e a serviço dos interesses do lucro máximo, são
esmagadas até se auto-aniquilarem de fato. Verifica-se assim a subordinação geral do país, refém dos interesses
dos potentados econômicos que chegam
a privatizar todo o Estado, que se
transforma concretamente em um simples comitê dos negócios, um Estado mercenário,
por conta da oligarquia, como testemunha finalmente o fato ocorrido em Maró, na
Índia: soldados das forças armadas do Estado guardando o tesouro privado do magnata
de turno.
Até mesmo a
construção da linha ferroviária superveloz que atinge apenas as cidades do negócio
da região centro-norte é um exemplo nesse
sentido, porque responde exclusivamente não às exigências dos interesses gerais,
mas exclusivamente aos da Montezemolo & Cia. De fato, a rede ferroviária
meridional e oriental é abandonada e levada ao fim. Substancialmente, a
diferença na atual fase é a tendência do Estado a sucumbir aos interesses da empresa.
Enquanto os fascismos de Mussolini, Hitler, Salazar e Pinochet eram regimes empreiteiros,
agora se verifica um salto successivo: os vários Elkann, Montezemolo e sócios,
parafraseando Luís XIV, entram
diretamente em cena afirmando com arrogância “O Estado sou eu”. E infelizmente
isto é demonstrado pelos fatos.
Convém refletir atentamente
e aprofundar estas novas mudanças sociais. Em definitivo, se a história de toda
sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes, é a classe
operária que deve deter a ofensiva monopolista e dirigir a humanidade para a
transição democratica e socialista. Os trabaIhadores não estão ainda de todo
convencidos de ter esta responsabilidade histórica, este papel fundamental e é
por isso que se produzem situações de forte oposição, embora em medida descontínua.
Mas, assim como
isto é verdadeiro, é necessário rejeitar com força considerações pessimistas que sustentama opinião sobre o
atraso geral da classe operária. Não é verdade que os trabalhadores não têm consciência de classe. Estas são afirmações e
avaliações feitas por elementos pequeno-burgueses, por vezes mascaradas por um
atraente extremismo de esquerda. São considerações dos que não têm confiança
nos trabalhadores, querem utilizá-los como simples instrumentos da mudança
social, mas a classe operária não se presta mais a este gênero de instrumentalização.
Portanto, é por
esta série de motivos que, faltando a ação dirigente da classe operária, segue-se
à revigorante vitória de Hollande na França uma atitude de substancial
benevolência para com ele por parte dos grandes poderes econômicos. A política
do novo presidente parece, com efeito, estar em linha de continuidade com o
anterior governo conservador no que concerne, por exemplo, às políticas econômica
e externa. Esta última se resume a declarações agressivas e ameaçadoras do
palácio dos Campos Elíseos para com a Síria de Assad.
E ainda: a ausência
do papel dirigente dos trabalhadores de fato permitiu o refluxo da revolta
egípcia, que foi de fato controlada pelos aparatos militares e sabidamente se
inscreveu em um contexto da restauração.
Para impedir isto,
para viver um momento decisivo é necessária a força dirigente emancipadora da
classe operária.
É necessário prosseguir o processo de fortalecimento e reconstrução do Partido
Comunista, entendido como partido da classe operária, trabalhar pela unidade de
ação dos comunistas nos respectivos países
e mesmo em nível continental, e unir as forças de esquerda e democráticas em
uma grande frente de unidade democrática, contrastando o domínio dos monopólios
econômicos e financeiros com campanhas de comunicação eficazes e propostas políticas
concretas. É a presença ativa e dirigente dos trabalhadores que cria as
condições para incidir nas estruturas das coalizões, não a taxa de alegada
radicalidade dessas, ou pior ainda, certas atitudes de maximalismo marginal que
às vezes se manifestam em alguns setores da esquerda.
É necessário trabalhar
de fato coerentemente sobre dois planos paralelos e não distintos: a luta eleitoral
indispensável para reingressar nas instituições e pela representação política,
e a luta pelo poder econômico e o socialismo. Se não avança a perspectiva
socialista, é a própria vida democrática que se torna ameaçada, agredida e
desmontada, e não surgem alternativas. Hoje a decomposição do sistema capitalista e as contradições cada
vez mais estridentes do imperialismo têm acelerado o processo de privatização.
O assalto do bando de Rockefeller e Cia desencadeia guerras criminosas, genocídios, bombardeios, demissões
em massa, novas formas de escravidão. A família
dos multimilhardários, privada de toda aparência de moralidade, leva ao extremo
a sua sede de lucro máximo, afundando a sociedade em um novo tipo de feudalismo.
Cabe a nós ter a
paixão, a consciência, a compreensão, a capacidade, a vontade e a experiência
para impedi-lo.
(1) No que se refere ao caso italiano, o cenário é preocupante porque penetra
profundamente mais, além da capacidade do palhaço genovês. A semelhança com a
situação gerada com Tangentopoli é emblemática: no início dos anos 1990, a legítima
intervenção judiciária da magistratura contra
a corrupção política é sabidamente manobrada pelo grande capital. Controlando a
Mídia e manobrando os jornais e a TV, criou-se
um profundo consenso de massas a favor do acontecimento judiciário em sentido
antipolítico. Demonizando tal sistema, se favorecem pulsões emotivas fortes, que
são direcionadas a horizontes simplistas e plebiscitários, portanto
autoritários. Obtinha-se um clima específico que mantinha o poder judiciário em condições de sepultar
instituições, o consenso popular e de massas se exprimia não mais no confronto
político e democrático mas nas sentenças da magistratura. Uma vez terminada a
embriaguês de grandes emoções coletivas e populistas, o resultado foi a
eliminação definitiva da escada móvel salarial, a revogação da lei eleitoral
proporcional em favor do sistema majoritário, e o retorno físico do governo
fascista em 1994.
(*) Membro do
Comitê Central do Partido dos Comunistas Italianos
Nenhum comentário:
Postar um comentário