sábado, 11 de agosto de 2012

Eleições e frente democrática, um olhar europeu

No texto a seguir, o leitor conhecerá o cenário político, e a luta eleitoral e de massas na Europa. O artigo é de autoria de Erman Dovis, membro da direção do Partido dos Comunistas Italianos. O original foi publicado no site da Associação Marx 21 (http://www.marx21.it/) . A tradução para o português é do titular deste Blog.







Eleições e frente democrática, um olhar europeu

A cada um de nós já ocorreu deparar-se diante de uma questão que ciclicamente se repete na vida, que soa mais ou menos assim: “e agora, o que vou fazer?”. Sem dúvidas, todos, ao menos uma vez, temos respondido desta maneira: “sei muito bem o que não quero, mas ainda não sei o que quero.”

Por Erman Dovis (*), em Marx 21

Esta reflexão é talvez um pouco existencial, mas é muito útil para dar uma pequena contribuição à análise sobre as recentes eleições realizadas na Europa, que não deve dar lugar a simplificações de qualquer tipo. As presidenciais francesas viram o candidato da social-democracia Hollande, em aliança com o Partito Comunista e as forças  progressistas, derrotarem o presidente conservador,  Nicolás Sarkozy. Na Grécia devastada pela crise econômica e pelo massacre social, as eleições de maio assistiram à irremediável decomposição do eixo histórico da bipolarização Pasok-Nova Democracia, enquanto se fortaleceram as forças comunistas do Partido Comunista Grego (PCG) e a aliança progressista Syriza aumentou sua aceitação eleitoral.


A impossibilidade de dar vida a um governo de coalizão tornou inútil a resposta das urnas, sendo necessária uma segunda jornada eleitoral, realizada um mês depois, com os seguintes resultados: O PCG, de 8,5% um mês antes, passou a 4,5% do eleitorado. A coalizão Siryza subiu de  16% a 27%, enquanto a Nova Democracia , passando de  19,8% a 29%, conseguiu desta feita, em aliança com o Pasok (que caiu de 13,2 um mês antes a 12,2%) e a coalizão Dimar, formar um governo de coalizão.  


Sem cair em um sumário juízo superficial, é possível detectar como uma certa incomunicabilidade  à esquerda, unida a fortes pressões internas e externas contra os comunistas, gera desilusões e favorece tendências políticas plebiscitárias e autoritárias, como demonstra o fortalecimento consistente dos fascistas do Amanhecer Dourado, eficientes cães de guarda do Banco Central Europeu (BCE).



Na Itália, teve lugar a renovação de muitas câmaras municipais, algumas de certa relevância: o dado geral é a devastadora derrota da força que até agora era identificada como centro-direita, em particular o PDL (Polo da Liberdade) de Berlusconi e a Liga (Liga do Norte), de Bossi, implicados em vários escândalos. Os comunistas, quase todos unidos politicamente na Federação da Esquerda, apresentaram-se na maior parte em aliança com a centro-esquerda, confirmando em conjunto os bons resultados das últimas eleições administrativas provinciais.


Na Grã Bretanha, as eleições administrativas do meio do ano sentenciaram a claríssima vitória dos socialistas do Partido Trabalhista, a forte queda dos conservadores e liberal-democratas, e algo que não é pouco importante, a amarga rejeição à causa “um Boris em cada cidade”: a proposta, lançada pelos Tories (conservadores), e submetida a referendo, previa a eleição direta do prefeito em todas as grandes cidades. Uma tentativa politica para sondar uma virada em sentido plebiscitário que foi prontamente bloqueada.


A nossa rápida resenha europeia não pode deixar de evidenciar, por fim, a queda da CDU (União Democrata Cristã), de Angela Merkel nas recentes eleições regionais alemãs, assim como faliu na Espanha o assalto dos Populares (Partido Popular) da Andaluzia, que se manteve nas mãos da coalizão progressista formada pelo PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol) e pela Esquerda Unida (integrada pelo Partido Comunista). Devemos assinalar, para completar a  informação que o acordo entre a Esquerda Unida e os  socialistas na Andaluzia foi contrastado por um  referendo interno no Partido Comunista Espanhol, no qual venceu (por uma pequena diferença) a corrente contrária à aliança.


À luz destes fatos, vemos, portanto, como o povo europeu rechaça decididamente as políticas do FMI e dos poderosos cartéis econômicos que o dirigem. Substancialmente, são abatidos os governos vigentes e os que foram responsáveis, mais ou menos diretamente, de executar as diretrizes do BCE que, recordamos sempre, é um organismo privado em mãos de um punhado de oligarcas.


Esta rejeição categórica apresenta, porém, um lado muito obscuro: o dramático avanço continental do  fascismo que direciona o mal estar para uma perversa ótica  protecionista, nacionalista, racista. É o  caso, por exemplo,  da Frente Nacional na França, do Amanhecer Dourado na Grécia e do avanço da extrema-direita na Holanda. Ao lado desses fenômenos, surgem movimentos apartidários  aparentemente novos que, de uma rebeldia espontaneísta inicial, passam a estimular uma indiferença generalizada: bate-se na tecla da desconfiança nos partidos e na sua inutilidade, fala-se de uma não especificada “casta” capaz apenas de sugar salários com o dinheirto público, demonizam os sindicatos, jogando-os no caldeirão dos privilegiados a abater, procede-se em suma a uma crítica muito demagógica e superficial que inevitavelmente desemboca no plebiscitarismo e, portanto, na busca do homem forte, que rejeita o confronto democrático. As instituições por ora são consideradas inúteis. Típicos deste  fenômeno que vira à direita, são os representantes do Movimento Cinco Estrelas na Itália e dos Piratas na Alemanha (1)


Para completar o quadro geral, falta ainda um elemento que não pode ser separado da análise eleitoral: a resposta de classe à ofensiva do grande capital financeiro, à imoral e colossal acumulação de dinheiro da gravíssima crise econômica. Assistimos assim, de maneira inorgânica, a um choque frontal entre as grandes famílias dos monopólios e a classe operária. De uma parte, os cartéis, em extrema concorrência entre si, prosseguem no caminho de feroz saque e destruição de forças produtivas e humanas. De outra, a firme resposta dos trabalhadores que se opõem a estre criminoso cenário com extraordinária luta de resistência. É o caso, por exemplo, dos operários gregos da Siderúrgica Helênica, em greve desde novembro passado contra o plano de reestruturação empresarial que prevê reduções salariais e demissões. É o caso dos operários da Magneti Marelli de Crevalcore e da Curved Plywoods, pequena empresa de San Matteo della Decima: nessas duas fábricas, pretendia-se transferir a produção para o exterior. A imediata denúncia operária e a pronta intervenção dos trabalhadores impediram que o projeto empresarial se realizasse. Na Espanha, em face da infame reforma do mercado de trabalho, houve uma extraordinária resposta da classe operária: o sindicato organizou uma greve geral que levou ao bloqueio quase total de toda atividade nacional. Na Galícia não ocorreram atividades produtivas em nenhuma zona industrial, piquetes itinerantes impediam qualquer tipo de atividade em cidades  como Madri, Bilbao, Barcelona. A General Motors de Aragon foi totalmente fechada, e até mesmo os setores de saúde e educação nacionais foram paralisados. A recente duríssima luta dos mineiros das Astúrias é uma confirmação ulterior do que foi dito: um conflito de classe iniciado a partir de uma vanguarda consciente dos trabalhadores das minas foi estendida com uma amplitude de massas, obtendo a solidariedade e o apoio da totalidade das massas populares.


Em definitivo, estes exemplos demonstram como se verifica concretamente um tipo de  dualismo de poderes, que é manifesto e já não pode mais ser escondido. Trata-se de uma rejeição eleitoral clara em resposta às políticas de fome e de uma vanguarda da classe operária que, embora sem organicidade, responde golpe a golpe as estratégias das multinacionais. No meio, presas nas garras do conflito de classes, as grandes massas populares e da pequena e média burguesia refletem grande incerteza, confusão, desorientação, condições que podem ser instrumentalizadas em função de reviravoltas  políticas sempre mais marcadamente autoritárias.


Mesmo as instituições, vergadas e a serviço dos interesses do lucro máximo, são esmagadas até se auto-aniquilarem de fato. Verifica-se assim a  subordinação geral do país, refém dos interesses dos potentados  econômicos que chegam a  privatizar todo o Estado, que se transforma concretamente em um simples comitê dos negócios, um Estado mercenário, por conta da oligarquia, como testemunha finalmente o fato ocorrido em Maró, na Índia: soldados das forças armadas do Estado guardando o tesouro privado do magnata de turno.


Até mesmo a construção da linha ferroviária superveloz que atinge apenas as cidades do negócio da região  centro-norte é um exemplo nesse sentido, porque responde exclusivamente não às exigências dos interesses gerais, mas exclusivamente aos da Montezemolo & Cia. De fato, a rede ferroviária meridional e oriental é abandonada e levada ao fim. Substancialmente, a diferença na atual fase é a tendência do Estado a sucumbir aos interesses da empresa. Enquanto os fascismos de Mussolini, Hitler, Salazar e Pinochet eram regimes empreiteiros, agora se verifica um salto successivo: os vários Elkann, Montezemolo e sócios, parafraseando Luís  XIV, entram diretamente em cena afirmando com arrogância “O Estado sou eu”. E infelizmente isto é demonstrado pelos fatos.


Convém refletir atentamente e aprofundar estas novas mudanças sociais. Em definitivo, se a história de toda sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes, é a classe operária que deve deter a ofensiva monopolista e dirigir a humanidade para a transição democratica e socialista. Os trabaIhadores não estão ainda de todo convencidos de ter esta responsabilidade histórica, este papel fundamental e é por isso que se produzem situações de forte oposição, embora em medida descontínua.


Mas, assim como isto é verdadeiro, é necessário rejeitar com força considerações  pessimistas que sustentama opinião sobre o atraso geral da classe operária. Não é verdade que os trabalhadores não têm  consciência de classe. Estas são afirmações e avaliações feitas por elementos pequeno-burgueses, por vezes mascaradas por um atraente extremismo de esquerda. São considerações dos que não têm confiança nos trabalhadores, querem utilizá-los como simples instrumentos da mudança social, mas a classe operária não se presta mais a este gênero de instrumentalização.


Portanto, é por esta série de motivos que, faltando a ação dirigente da classe operária, segue-se à revigorante vitória de Hollande na França uma atitude de substancial benevolência para com ele por parte dos grandes poderes econômicos. A política do novo presidente parece, com efeito, estar em linha de continuidade com o anterior governo conservador no que  concerne, por exemplo, às políticas econômica e externa. Esta última se resume a declarações agressivas e ameaçadoras do palácio dos Campos Elíseos para com a Síria de  Assad.


E ainda: a ausência do papel dirigente dos trabalhadores de fato permitiu o refluxo da revolta egípcia, que foi de fato controlada pelos aparatos militares e sabidamente se inscreveu em um contexto da restauração.


Para impedir isto, para viver um momento decisivo é necessária a força dirigente emancipadora da classe operária.


É necessário prosseguir o processo de fortalecimento e reconstrução do Partido Comunista, entendido como partido da classe operária, trabalhar pela unidade de ação dos  comunistas nos respectivos países e mesmo em nível continental, e unir as forças de esquerda e democráticas em uma grande frente de unidade democrática, contrastando o domínio dos monopólios econômicos e financeiros com campanhas de comunicação eficazes e propostas políticas concretas. É a presença ativa e dirigente dos trabalhadores que cria as condições para incidir nas estruturas das coalizões, não a taxa de alegada radicalidade dessas, ou pior ainda, certas atitudes de maximalismo marginal que às vezes se manifestam em alguns setores da esquerda.


É necessário trabalhar de fato coerentemente sobre dois planos paralelos e não distintos: a luta eleitoral indispensável para reingressar nas instituições e pela representação política, e a luta pelo poder econômico e o socialismo. Se não avança a perspectiva socialista, é a própria vida democrática que se torna ameaçada, agredida e desmontada, e não surgem alternativas. Hoje a decomposição  do sistema capitalista e as contradições cada vez mais estridentes do imperialismo têm acelerado o processo de privatização. O assalto do bando de Rockefeller e Cia desencadeia  guerras criminosas, genocídios, bombardeios, demissões em  massa, novas formas de escravidão. A família dos multimilhardários, privada de toda aparência de moralidade, leva ao extremo a sua sede de lucro máximo, afundando a sociedade em um novo tipo de feudalismo.


Cabe a nós ter a paixão, a consciência, a compreensão, a capacidade, a vontade e a experiência para impedi-lo.


(1) No que se refere ao caso italiano, o cenário é preocupante porque penetra profundamente mais, além da capacidade do palhaço genovês. A semelhança com a situação gerada com Tangentopoli é emblemática: no início dos anos 1990, a legítima intervenção judiciária da magistratura  contra a corrupção política é sabidamente manobrada pelo grande capital. Controlando a Mídia e manobrando os jornais  e a TV, criou-se um profundo consenso de massas a favor do acontecimento judiciário em sentido antipolítico. Demonizando tal sistema, se favorecem pulsões emotivas fortes, que são direcionadas a horizontes simplistas e plebiscitários, portanto autoritários. Obtinha-se um clima específico que mantinha  o poder judiciário em condições de sepultar instituições, o consenso popular e de massas se exprimia não mais no confronto político e democrático mas nas sentenças da magistratura. Uma vez terminada a embriaguês de grandes emoções coletivas e populistas, o resultado foi a eliminação definitiva da escada móvel salarial, a revogação da lei eleitoral proporcional em favor do sistema majoritário, e o retorno físico do governo fascista em 1994.



(*) Membro do Comitê Central do Partido dos Comunistas Italianos


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