quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Análise da conjuntura internacional

A conjuntura internacional em breves traços

Em 14 de julho passado, participei por meio de videoconferência, do simpósio “Humanizar a economia para sair da crise”, realizado pelo Centro Gramsci, na cidade italiana de Rionero in Volture. Publico aqui a íntegra de minha alocução.



São dois os traços principais da atual conjuntura internacional: o agravamento da crise estrutural e sistêmica do capitalismo e o aumento das ameaças à paz e à segurança internacionais.

Um fator incide sobre o outro. Esgota-se o repertório das medidas chamadas “anticíclicas” dos governos a serviço dos monopólios do capital financeiro. Há muita retórica seguida da elaboração de pacotes supostamente voltados para a recuperação econômica e a solução dos problemas sociais.

Mas a lógica desses pacotes é cada vez mais perversa, pois cobram alto preço aos trabalhadores. O que prevalece é o arrocho dos salários, a precarização dos serviços públicos, a privatização e a rendição às leis cegas do mercado.

Por isso, resta a esses governos a ação política e repressiva contra as forças progressistas e os movimenrtos sociais, cada vez mais criminalizados e perseguidos. Manifestam-se nos países capitalistas perigosas tendências antidemocráticas.

A crise é também a base para as principais tensões políticas no plano internacional. Inevitavelmente eclodem as contradições interimperialistas e crescem as ameaças de agressão e guerra contra países soberanos, no mesmo ritmo em que se desenvolve a militarização. Esta é a tônica da situação, ainda que não esteja no horizonte uma conflagração geral entre as potências.

A crise do capitalismo

Os principais países capitalistas se encontram com suas economias paralisadas e aumentam seus impasses. Na Europa, onde a crise é mais aguda, pacotes de austeridade e injeções de dinheiro para salvar o sistema bancário revelam-se medidas inócuas e só contribuem para agravar a crise econômica e social.

A receita dos governos a serviço do capital monopolista-financeiro para contornar a crise é orientada pelo interesse de preservar os investimentos e os lucros do sistema financeiro. Esses governos prometem reduzir o déficit e o endividamento cortando na carne da classe trabalhadora, reduzindo subsídios aos produtores rurais, precarizando os serviços públicos e arrochando o funcionalismo público.

A receita é antiga e não difere daquelas que foram impostas no passado a países como o Brasil pelo FMI ao longo da chamada crise da dívida externa, que custaram décadas de desenvolvimento e uma intolerável depreciação da força de trabalho. Em poucas palavras, os governos a serviço do capital monopolista-financeiro governo propõem que a classe trabalhadora pague pela crise mundial do capitalismo, de modo a assegurar os privilégios da banca internacional, que é de longe a maior responsável pelas turbulências financeiras.

Os trabalhadores e os povos sofrem as consequências da crise do capitalismo e da violenta ofensiva antissocial empreendida pela grande burguesia monopolista.

O desemprego afeta 17 milhões de trabalhadores na Zona do Euro. Na Grécia e na Espanha a taxa supera os 20%.

Foi nesse ambiente que o Conselho Europeu se reuniu em finais de junho. Em meio a sérias divergências, sobretudo entre a Alemanha e a França, sob a máscara de adotar “políticas de crescimento”, decidiram mais uma vez dar apoio financeiro direto à banca por via do Fundo Europeu de Estabilização Financeira e do Mecanismo Europeu de Estabilização, voltando as costas para os problemas sociais.

Nos países em desenvolvimento, nomeadamente a China e a Índia, a economia desacelera-se moderadamente. A China tem tomado medidas de estímulo à economia reduzindo a taxa de juros para financiamentos e aumentando o investimento público. Espera crescer 8,2% este ano. O Brasil sofre maiores repercussões da crise mundial, enfrenta momentaneamente dificuldades com o seu comércio exterior e a redução do ritmo de crescimento da economia, particularmente o setor industrial.   

O fato é que se acentua o cenário de estagnação da economia mundial, variando de intensidade de país a país ou região. São vazias de sentido as considerações sobre o caráter limitado ou conjuntural da crise. Ela é sistêmica, estrutural e generalizada. Uma crise capitalista prolongada, que vive uma fase aguda também prolongada.

Essa crise não surgiu ontem como um raio em céu azul. Desde 1973, o mundo capitalista está perdendo fôlego.

Trata-se de uma crise civilizatória cuja solução não está em medidas tópicas e superficiais, mas na ruptura com o próprio sistema. O capitalismo já ameaçou arrasar a civilização nos terríveis anos de guerra entre 1914 e 1945, agravados pela Grande Depressão de 1929 e culminados com o genocídio de Hiroshima e Nagasaki.


A crise atual tem sua origem em 1973, quando o presidente Richard Nixon tentou interromper a queda da economia estadunidense  provocada pelos gastos da guerra do Vietnã, o aumento dos preços do petróleo e o declínio na taxa de lucro. Unilateralmente desvinculou o dólar – moeda de câmbio internacional – do padrão ouro e o pôs a “flutuar”. Revogava assim, em proveito dos capitais ianques e em detrimento dos demais países – sobretudo os pobres – os acordos de Bretton Woods, que pautaram as regras da economia internacional sob a batuta dos Estados Unidos depois da 2ª Guerra Mundial.

A partir de então, Washington empreendeu uma descontrolada impressão de dólares e de endividamento sem respaldo produtivo, com os quais inundou os circuitos financeiros globais de moeda desvalorizada. A especulação financeira passou a ocupar um lugar muito mais relevante que a produção e o comércio na circulação monetária e reforçou as políticas neoliberais.

Essas políticas são conhecidas: diminuição do Estado, contenção salarial, desregulamentação financeira, precarização dos serviços públicos, desmantelamento das conquistas dos trabalhadores, circulação livre de capitais, privatização do patrimônio público, socialização das perdas das corporações.

Em 2008, eclodiu a crise financeira dos chamados subprimes nos Estados Unidos. Em 2010, irrompeu na Europa a chamada crise da dívida soberana com graves consequências sociais. Não está descartada a hipótese de que sobrevenha um novo colapso econômico-financeiro. 

As crises anteriores de origem financeira dentro desta onda se manifestavam na periferia: dívida externa da América Latina (1982), México (1994-1995), “tigres” asiáticos (1997-1998), Rússia (1998), Brasil (1999), Turquia (2001) e Argentina (2002). Não é ocioso sublinhar que o capitalismo experimentou graves crises desde o século 19, embora a atual seja comparável apenas com a Grande Depressão de 1929 e ainda seja cedo para conhecer sua real magnitude.

As ilusões no e do G-20

Recentemente, reuniu-se no balneário mexicano de Los Cabos o chamado G-20, entre promessas de medidas “anticíclicas” e ilusões sobre o papel do grupo na situação internacional.

O G-20 foi criado em 1999, com o objetivo proclamado de contornar ou encontrar soluções imediatas para as crises das balanças de pagamentos das economias chamadas emergentes durante a segunda metade da década de 1990.

Supostamente, estabelecer-se-ia uma cooperação econômica e financeira ampla e abrangente, com base em critérios de objetividade, entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Entre 1999 e 2008 participavam do G20, alcunhado de “financeiro”, apenas os ministros das finanças e os presidentes dos bancos centrais.

A partir de 2008, com a realização da Cúpula de Washington, no ocaso da presidência de George W.Bush, em plena eclosão da crise econômico-financeira, o G20 passou a reunir também chefes de Estado e de governo.

A Cúpula de Washington foi, assim, a primeira do G20. Realizou-se entre 14 e 15 de novembro de 2008, por proposta da União Europeia. "Estamos decididos a aumentar nossa cooperação e trabalhar juntos para restaurar o crescimento global e aprovar as reformas necessárias nos sistemas financeiros mundiais", afirma o comunicado conjunto.

De lá para cá, tiveram lugar as cúpulas de Londres (abril de 2009), Pittsburgh (setembro de 2009), Toronto (junho de 2010), Seul (novembro de 2010), Cannes (novembro de 2011). Esta de Los Cabos é a 7ª cúpula do G20. Já está acertado que a próxima se realizará na Rússia, em 2013. A 9ª cúpula terá como país anfitrião a Austrália, em 2014, e a 10ª ocorrerá na Turquia. Isto se não ocorrerem maiores sobressaltos econômicos, financeiros e políticos que obriguem os alquimistas do neomultilateralismo a inventarem novas fórmulas de grupos de coordenação.

A crise econômico-financeira internacional que eclodiu em 2008 deixou patente o fracasso das políticas macroeconômicas neoliberais e conservadoras decididas no âmbito do G7 (Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Japão e Canadá). Saltava aos olhos o efeito deletério da desregulação dos mercados financeiros.

Foi nesse contexto que o G20 ganhou relevo, pois passou a ser considerado o principal fórum para uma cooperação econômica internacional mais alargada, conforme se estabeleceu na Declaração de Pittsburgh, aprovada na cúpula de setembro de 2009.

Progressivamente, com a sucessiva realização das Cúpulas, criou-se um consenso, num jogo diplomático de aparências, de que as discussões e decisões relacionadas com a crise e a busca de medidas para a sua solução deveriam transferir-se de foros restritos, como o G7, para o G-20.

Os países imperialistas, de economia desenvolvida, com posição dominante na economia mundial, sendo o epicentro da crise, perderam a legitimidade para ditar as normas da economia internacional. Isto coincidiu com a maior emergência de economias de países como China, Rússia, Índia e Brasil, entre outras.

Tendo como pano de fundo a interdependência econômica, comercial e financeira no quadro da globalização capitalista, tornou-se imperioso, para a própria sobrevivência do sistema, buscar uma maior cooperação entre os países desenvolvidos e os chamados emergentes.

 

Isto gera a ilusão de que o G-20 tem maior legitimidade e autoridade democrática, sendo uma espécie de manifestação de uma tendência à democratização das relações internacionais, o embrião de uma nova ordem multilateral. Surge também a ilusão de que com o G-20 o mundo passaria a contar com um instrumento eficaz para coordenar uma resposta eficiente à crise econômica e financeira, evitando assim o colapso do sistema econômico internacional.

As ilusões são de tal ordem que de maneira mais disfarçada, renasce na boca de alguns a ideia do “ultra-imperialismo”, de Karl Kautsky, a quem Lênin designava como renegado.

Os países considerados emergentes, entre eles o Brasil, usam o G20 como espaço de luta para alargar sua participação na economia internacional e defender-se de medidas dos países ricos que atentam contra sua soberania. Mas é ilusório imaginar que através do G20 seja possível mudar num sentido progressista, popular e patriótico a estrutura e a arquitetura do sistema financeiro e econômico internacional.

Já em novembro de 2009, logo após a Cúpula de Pittsburgh, o 12º Congresso do Partido Comunista do Brasil criticava como um dos aspectos salientes do quadro internacional, sobretudo na conjuntura de crise econômica e financeira, “a tentativa [do sistema imperialista] de fortalecer organismos de coordenação, nos quais não poucas vezes estalam também rivalidades e contradições interimperialistas, além de conflitos de interesse entre as potências dominantes e os países emergentes”. De acordo com o documento, aprovado por unanimidade no Congresso, “a ação desses organismos tem-se revelado um fracasso do ponto de vista das ‘soluções’ para a crise, da ‘regulação’ do mercado de capitais e da promoção do ‘desenvolvimento’ e ‘ajuda’ aos pobres”. O documento advertia para o invariável objetivo do imperialismo de concentrar poderes e concertar posições tendo em vista o domínio econômico e político do mundo. O Congresso do PCdoB mencionou especificamente a nova articulação. “O G-20 financeiro espelha uma nova realidade no mundo, em que as grandes potências imperialistas não podem decidir sozinhas e países emergentes como o Brasil, a China, a Rússia e a Índia, conquistam novos espaços, jogam novo papel, disputam em defesa de seus interesses nacionais e contribuem para a luta por uma nova ordem econômica e política. É falsa, porém, a tese sustentada por alguns chefes de Estado de potências imperialistas de que o G-20 corresponde a uma “revolução” e a uma ‘democratização profunda’ das relações internacionais”.

Intervencionismo e lutas dos povos

É no quadro de crise que aumenta a instabilidade política e se intensificam as ameaças às nações soberanas e aos povos. Apesar da retórica “multilateralista” e pacifista, o que se vê é o aumento da agressividade e do militarismo das potências imperialistas.

Está em curso uma escalada de pressões, ingerências e ameaças de agressão contra a Síria. Configura-se o cenário para uma intervenção militar no país. O que as potências imperialistas discutem é se o ataque teria ou não a cobertura de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, razão pela qual inistem no apoio diplomático da Rússia e da China para esse fim.

Ultimamente, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a sua secretária de Estado, Hillary Clinton, aumentaram o tom da exigência de que o presidente sírio renuncie ao governo do país e tome o caminho do exílio, infelizmente secundados pelo presidente francês, François Hollande, eleito com os votos da esquerda. Hollande foi o anfitrião em Paris de uma reunião do grupo autodenominado “Amigos da Síria”, que age de fato como um inimigo da nação árabe e agasalha em seu seio grupos da oposição refratários ao diálogo e aos métodos democráticos.

Também o Irã está sob ameaça de ataque das potências imperialistas, acusado de violar os direitos humanos e de fabricar a bomba atômica.

Mais uma vez, as forças imperialistas pretendem justificar sua escalada, que pode levar a uma nova guerra no Oriente Médio, com falsos pretextos, assim como formulam falsas teorias de relações internacionais. Agora, está em voga o conceito de “Direito de proteger”, ou “Responsabilidade de proteger”, com o que se pretende dar ares de justiça e de ação coletiva da chamada “comunidade internacional” a atentados contra a carta da ONU e ao conjunto dos regulamentos, normas e convenções que conformam o Direito Internacional.   Na verdade, estamos diante de mais uma ofensiva contra legítimos direitos democráticos e nacionais, contra as noções de soberania e autodeterminação.

A recente intervenção na Líbia e o assassinato do líder do país são reveladores do ponto a que podem chegar as forças imperialistas. Fizeram o mesmo no Iraque, onde além da intervenção militar assassinaram o ex-presidente da República.

Nada disso surpreende se temos em conta que o ex-presidente George W. Bush, logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, prometeu não só guerrear contra os países que considerava integrantes do chamado “eixo do mal”, como eliminar fisicamente indivíduos – chefes de Estado ou ativistas – que segundo os critérios da CIA e do Pentágono fossem considerados “terroristas”.

É o que os Estados Unidos fazem sistematicamente por meio dos ataques com os aviões não tripulados “drones” na fronteira entre o Afgeganistão e o Paquistão, nos quais não se poupa a vida das populações civis. Os crimes cometidos causam a indignação dos democratas e anti-imperialistas em todo o mundo, e provocaram o estupor do ex-presidente Jimmy Carter, que em contundente artigo publicado no New York Times, chama a atenção para o “raro e cruel recorde” de violações dos direitos humanos pelos Estados Unidos.

O sentido principal dessa ofensiva é executar, dar concretude e continuidade ao plano de reestruturação do Oriente Médio, para viabilizar o aumento da presença do imperialisimo na região, visando a dominar as riquezas estratégicas ali existentes e a obter posições vantajosas na luta pela hegemonia no mundo.

Para isso, querem afastar os governos que de alguma forma resistem à dominação imperialista na região e substituí-los por regimes dóceis e adaptáveis aos seus interesses. É esse também o sentido da posição adotada pelo imperialismo vis-à-vis à chamada “Primavera árabe”.

Recentemente, em 20 e 21 de maio, realizou-se em Chicago mais uma reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Toda vez que essa organização se reúne, os direitos democráticos dos povos, a segurança internacional e a paz mundial são ameaçados. Como braço agressivo do imperialismo, a Otan atualizou o seu conceito estratégico em 2010, dando um novo passo para concretizar seus planos intervencionistas. Agora, estão em pauta a corrida aos armamentos, o investimento em novas armas e a ampliação de sua rede mundial de bases militares.

O imperialismo militariza as relações internacionais, e intensifica as ameaças para a realização de novas guerras. Os Estados Unidos recentemente também lançaram uma nova doutrina militar, atribuindo prioridade à presença na Ásia.

América Latina

A tendência principal em nossa região continua sendo a do aprofundamento das conquistas democráticas e patrióticas que se sucedem às vitórias eleitorais das forças progressistas em muitos países.

Contudo, manifesta-se também a reação do imperialismo e das forças retrógradas locais. Recentemente, teve lugar um golpe de Estado, com aparência de “legalidade”, no Paraguai, que destituiu o presidente legítimo de Fernando Lugo. O mesmo já tinha sucedido no ano de 2009 em Honduras. Houve repetidas tentativas de golpes na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Tudo isso eleva a vigilância das forças democráticas da região para preservar as conquistas democráticas e avançar na realização de mudanças políticas, econômicas e sociais com caráter progressista.

Em 7 de outubro próximo realizar-se-ão as eleições presidenciais na Venezuela, em que estarão em campos opostos o presidente Chávez, candidato à reeleição, e o candidato da direita com apoio do imperialismo, Henrique Caprilles. O líder bolivariano anti-imperialista, Hugo Chávez, assume-se como o candidato da pátria, com um programa democrático, patriótico e anti-imperialista. O outro, por óbvio, é o candidato apátrida.

A eleição na Venezuela é a batalha política mais importante no momento para todos os latino-americanos progressistas.

A crise do capitalismo e as tendências agressivas do imperialismo, longe de intimidar, são motivos que levam ao levantamento dos povos. Em todas as latitudes há luta, demonstrando que o imperialismo não é invencível e pode ser derrotado.

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